Zébebeu

Subia eu a Rua Augusta com um pacotão de pão, uma latinha de cerveja que comprara num mercado mais distante dali e minha inseparável prancheta que levo sempre comigo para anotações de palavras e idéias novas. Mas ‘nem só de pão (e cerveja) vive o homem’, já dizia ‘ sei lá eu quem da bíblia’ e também uma conhecida minha, que naquela rua eu logo encontraria. Pois bem, encontrei-a. Era D.Gildete (o nome verdadeiro é quase esse, mas para evitar comprometimentos ou complicações, resolvi trocar). Ela é proprietária de um estabelecimento comercial bem próximo de onde nos encontramos. Crente fervorosa leva sua fé religiosa a ferro e fogo. Tem na Palavra do Senhor, Deus dela, suas respostas, orientações e conforto para todas suas perguntas, dúvidas, incertezas e desconfortos (Eu nem me atreveria dizer angústias, pois os crentes, segundo ela, não têm angústias, apenas leves desconfortos). Enfim, a Bíblia é, para ela, a panacéia contra todos os males (mais eficiente mesmo do que um emplasto milagroso idealizado por um personagem de um livro de M.A.). Bem, então, como eu ia dizendo, subia a Rua Augusta quando me deparei com D. Gildete que estava acompanhada de uma companheira de fé e de um funcionário seu; ele tem até nome bíblico, Zébebeu (Lógico que o nome verdadeiro não é esse; também tive que alterá-lo). Ambas estavam prestes a pegar um táxi para irem até a igreja onde congregam e participar de um culto realizado todas as sextas-feiras [para elas, ou melhor, para todos os freqüentadores da tal religião, esse dia é especial para glorificar o Senhor e promover o ‘descarrego’ (dos bolsos e carteiras)]. Isso era por volta das dezenove horas. O Mercenário, digo, Missionário, é um tal de RS RS RS... Gozares (rs, rs, rs... meio risada, meio ‘gozação’, meio trocadilho... Tudo isso junto já deve dar uma boa pista pra saber a quem eu me refiro). Ele deve ser orientado por ‘Ad Referendum’*, quero dizer, Reverendo, Mr. Thomas Tudor Kétein (Anglo-sacanônico).

* Apenas para ilustração: ‘Ad Referendum’ é uma desgraça que vem sempre nos boletos do condomínio daqui do prédio onde moro, quando os desgraçados querem impor alguma taxa extra.

Mas vão vendo...

Eu sou muito lerdo, não sou nada ‘duo core’, sou um ‘386’, ou no máximo ‘486’; pentium?! Nem pensar!... Continuando: Sou todo todo atrapalhado, e ainda, ‘pra variar’, as coisas aconteceram muito rapidamente. Chega o táxi, que as duas haviam chamado, e eu tentando me equilibrar com um pacotão de pão, latinha de cerveja e minha inseparável prancheta (cheia de folhas). E não era só isso, ainda, para ser gentil, queria eu abrir a porta do táxi para elas entrarem, queria cumprimentá-las, e ao Zébebeu também, e responder negativamente ao insistente convite que elas me faziam para acompanhá-las à Casa do Senhor. Eu só sei que foi pacote de pão, prancheta com folhas e latinha de cerveja tudo pro chão. Foda! A lata de cerveja rompeu-se e começou a vazar, conclusão: perdi aquela cerveja. Praga do Senhor? Seja como for, repito: ‘Nem só de pão (e cerveja)...’, mas também de todas as palavras que eu tive que ficar ouvindo até o táxi ir embora.

Agora o mais legal foi ao perguntar ao tal funcionário se ele iria com elas para a louvação, e ele mal abriu a boca para dizer que não, quando a amiga de D. Gildete interveio e disse:

‘Ele não vai não; esse aí vai é pro inferno!’ (cic).
(Aquelas coisas comuns de pessoas fanatizadas por religião)

E eu já emendei:

‘Então pera aí, Zébebeu, que eu vou é pegar uma carona contigo’

Despedi-me brevemente das duas e desci com o Zébebeu (Desci, mas não foi para o inferno, não!). Desci mais um quarteirão da Rua Augusta para comentar o episódio, ir até o mercado mais próximo comprar outra latinha de cerveja e bebê-la enquanto escrevesse (enquanto escrevo) esta história; e tudo isso pra provar que se foi praga dela, ou do seu diabólico deus, não adiantou porra nenhuma!